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19/03/2013

SAPATOS NOVOS - juanguimaraes.com

No início veio o quinto aperto na barriga
A vida
E dela a espectativa

O Estrangeiro sempre foi o estrangeiro na barriga
E logo depois, dentro de sua própria casa
Ele era o de aparência diferente dos demais filhos
Cabelos escuros e encaracolados, diferente dos claros e lisos fios que tinham os seus irmãos
Ele era o mais calado
Mais doce
De olhos castanhos e pesados
Do mundo rápido e de concreto em que vivia, parecia sempre estar desconectado
Ele era o ultimo a acordar e a sair da cama
Como foi o ultimo, que da mãe saiu

O quinto filho homem como seu pai tanto desejava
Mas sua mãe queria uma filha
E se murchou a mulher em trsiteza quando perdeu com seu último filho, o sonho de se ver e se continuar
Filha mulher
A mãe não parou as lágrimas nem depois do parto
Afastando de si o mais desejado de todos
O último filho
Filho homem
Filho Estrangeiro
E assim cresceu o menino do quarto dos fundos
Brincava de ser irmão de sua sombra
Tomava café no colo do pai e era nele, que encontrava os pais
Que encontrava a mãe, que nem o peito deu

Era nas costas do pai que ele ia brincar de voar
Era entre os concretos que ficava o parque que ele corria
Buzinas, barulhos e gritos
Cores cinzas que ele estrangeiro nem sentia
O pai com ele ia todos os dias
Lá ficava o velho sentado vendo o novo brincar e se transformar no velho que ele seria lá na frente
Era nele que o pai se via
Mais do que queria e podia
Tinha

Hoje é ele o filho do quarto do meio
O quarto que brinca de não ficar vazio
Seus irmãos partiram e na casa restou ele, o pai e a mãe do mundo
Hoje, o menino Estrangeiro acordou mais velho
Acordou e lembrou que era dia de se fazer voar
De levar o pai hoje sem passos em suas costas para fazer de seus sonhos vôo
Se arrumou
E com os sapatos novos que do irmão mais velho ganhou foi

Passou correndo pelo corredor e do nada sua perna dona do tempo o parou
Travado ficou e rapidamente com os ouvidos viu a mãe tomando o café de ontem
A mãe do mundo que lentamente se levantou e mais uma vez se derramou em cima do balcão
E ali ficou, ajustando o canal da TV que teimava em não pegar
Cheiro de café queimado
Velho
Velha
Aquilo parou por segundos
Parecia uma foto da qual ele não esqueceria mais
Sua mãe
O preto café
O chiado da TV sem sinal
Um sinal ou talvez tatuagem
O lixo cheio de memórias

Escutou com os olhos uma luz forte que vinha com o vento pela janela
Lembrou do vôo e correu em direção do grande quarto para acordar o pai, que de costume esperava ele para em suas costas brincar de ser menino novo, denovo
Correu
Abriu a porta e cortou o silêncio com o ruido das dobradiças do grande e velho quarto
Quarto
Quatro
Três
Mais perto
Para não acordar
Mais um passo

Enclinou sobre a cama do pai o seu corpo hoje mais maduro
Seus olhos vivos ficaram mais pesados e mais castanhos que de costume
Um som
Goteiras no teto
Em seu teto
O som que cortou o silêncio foi o da queda das lágrimas que nem pelo seu rosto escorreram
Caíram direto e em cima do silêncio
Caíram
Levando com elas o que ele não esperava perder
O que naquela manhã não esperava ver
Golpeou seu estômago com um amargo e doloroso gole
Quatro
Três
Mais longe
Um passo
Fechou os olhos

Correu sem ver para onde
Por onde
E até quando
Correu para não voltar
Para não ser mais o que sem saber, já não podia mais ser
Correu
Dias
Noites
Para trás ficou o sonho de ser pra sempre um
Correu
Frio
Galhos
Cortes
Chuva
Fome
Pedras
Na barriga elas
Dentro de sua cabeça
Para sempre chuva.







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